Começamos fazendo desenho livre, com objetivo de investigar
as potencialidades expressivas e as possibilidades materiais e suas técnicas.
Nesse processo desenvolvemos vários exercícios, desenho de observação,
imaginação e memória. Essas propostas apresentaram algumas questões pertinentes
ao fazer.
Na proposta de desenho de observação notei que a
transferência da imagem vista não se dava pela observação, o objeto que estava
ao centro, referência a ser observado, foi transferido para o papel de forma
codificada, signo. Já no exercício do desenho de memória apareciam somente
imagens de paisagens, como casinhas, nuvens e lago. No exercício de imaginação
as mesmas imagens retornam sem diferenciação. Durante essas ações foi possível
constatar no desenho de alguns, o repertorio da indústria cultural. Signos
aparecem freqüentemente, repetidos até a exaustão.
A resistência para com o desenho a principio era bem
evidente, os adolescentes demonstravam grande dificuldade para aceitarem a
proposta. Alguns exercícios eram aceitos com bastante oposição por acharem “nada
a ver” o que estava sendo sugerido. No começo foi difícil dialogar com a
proposta planejada, a maior dificuldade foi criar um espaço de respeito, escuta
e comprometimento para com o fazer artístico.
O “não sei desenhar” permeou nos primeiros encontros. A
frustração por não alcançar um determinado resultado deixava os educandos
nervosos a ponto de rasgar o que foi construído.
Contudo o embate com a proposta oscilava, às vezes intensa
outra hora calma, quando indagava os educando e apresentava novas possibilidades
diferentes das do repertório de cada um, o atrito acontecia. Isso foi bom! A
partir destes atritos surgiram algumas brechas onde eu consegui me inserir e
firmar enquanto educador que propõe e questiona acerca do que está sendo
apresentado.
Penso que este estranhamento é comum, pois um novo professor
chega com propostas novas e fazeres diferentes, a reação é essa (o território
sendo ocupado), o choque, a não aceitação de uma nova linguagem (Desenho e
Pintura). A impressão que tive foi de confronto do início ao fim. Uma batalha.
Numa exibição do filme do artista plástico Pablo Picasso (Os
Mistérios de Picasso) que levei para dialogar com a proposta do dia “Desenho
Gestual”, alguns educandos não compreenderam o trabalho que o artista estava
fazendo e questionaram. “Não é bonito isso professor, então não é arte”-
indaguei perguntando: “Só o belo é Arte? O que é belo, o que é feio, o feio
pode ser belo? O diálogo iniciado a partir da exibição do vídeo provocou e
apresentou outras opiniões a respeito do assunto (arte). Ao mesmo tempo em que
um educando defendia que só o belo era arte, outro com uma opinião contrária
dizia que gostava do que o artista estava fazendo, e retrucou dizendo que por
mais que fossem feios os “rabiscos” o trabalho em si é arte, é uma expressão.
Esse e outros diálogos foram importantes na reflexão acerca
da pintura, desmistificar a ideia do belo (das referencias dos livros
escolares) conhecer outras referencias, entender que arte independente da
estética apresenta diversas linguagens, estilos e movimentos. O vídeo propiciou
a argumentação critica e reflexiva sobre o trabalho do artista. Uma obra pode
ter múltiplas interpretações, sem que uma seja melhor ou pior que a outra.
No planejamento foquei exatamente essas questões: atrair os jovens
para novas linguagens utilizando referencias visuais para facilitar a
compreensão e aproximar do conteúdo proposto. Nos encontros que se deram
apreciamos filmes e livros de artistas.
Todos estes recursos foram muito importantes no
desenvolvimento das atividades e na formação de repertório cultural dos
educandos.
Devido à resposta que obtive dos primeiros encontros, foi
preciso uma mudança no planejamento. A técnica, um dos procedimentos que
coloquei como ponto de partida, foi para o segundo plano. Compreendi algo que a
principio não estava planejado: lidar com as instantaneidades dos fazeres e
pensar numa atividade que proporcionasse a concentração e disciplina. Estas
duas questões foram norteadoras para o desenvolvimento das propostas nas
oficinas seguintes.
Como pensar numa atividade que mostrasse aos educandos
outras formas de desenhar e pintar?
A proposta da utilização do corpo como objeto e referência
de estudo e tradução gráfica, surgiu no momento em que os desenhos estavam
perdendo força em direção a formas repetitivas. Nesse momento, o formato do
papel ganhou importância na construção dos trabalhos.
Foi no desenho do corpo que os educandos conseguiram se
empenhar ao máximo e se colocar como criador. Foi notável a empolgação de
todos, nesse momento as atividades ganharam força e apresentaram novas formas.
A resistência ficou no passado, todos desenharam. O papel Kraft com a dimensão
ampla proporcionou novas possibilidades a experiência.
Os educandos quando viram o tamanho do papel se
surpreenderam, “ mas professor não vamos conseguir terminar esse trabalho hoje”
– Prof: “Não mesmo, daremos continuidade na próxima aula, e assim
sucessivamente”.
Retomar o trabalho em cada aula não foi tarefa fácil, pois a
cada encontro os educandos achavam que íamos fazer outra atividade. Observar o
processo anterior, trocar impressões e dar continuidade no mesmo foi um ritual
que durou 7 etapas. Nesse processo todo notei uma mudança positiva no
comportamento de alguns que a principio não queriam fazer as oficinas. Thiago,
Maicon, Wesley e Matheus são um bom exemplo que cito nesse processo, pois os
mesmos, em cada encontro, chegavam empolgados para dar continuidade no
trabalho. O formato do papel, e a tinta atraíram os educandos para dentro do
trabalho, era como se eles entrassem em estado de êxtase, a concentração
transbordava, foi incrível observar essa mudança. O desenhou teve outro
significado. As formas surgiram juntamente com os contrastes. As linhas
sobrepostas, a cor, as pinceladas gestuais, o campo preenchido com pinceladas e
com a própria mão. A técnica acontecendo e surgindo no momento certo, pois cada
um soube fazer seu trabalho utilizando diversos recursos descobertos no
processo.
Algo muito bacana aconteceu após esses encontros. Notei uma
empolgação vinda do grupo, uma pergunta dos educando surgiu em todo inicio de
oficina: O que vamos fazer hoje professor? Essa pergunta apareceu após termos
criado o ritual de chegar e dar continuidade no trabalho. Parecia que eu estava
pela primeira fez com o grupo, e a curiosidade instiga o mesmo a investigar
qual é o processo do dia. Cada oficina é uma caixinha de surpresas. E a
surpresa traz consigo novas experiências. Lembro do dia que fizemos tinta com
ovos. Foi uma descoberta surpreendente, quando eles souberam que clara e
pigmento viraria tinta quando misturados (têmpera). Aconteceu o mesmo na
oficina de stencil, utilizar o spray na pintura de um molde vazado,
possibilitando a reprodução de várias imagens. Tudo isso, aos olhos dos
educandos, foi uma grande novidade.
Foi incrível vivenciar todo esse processo, acompanhar as
pequenas mudanças, e compreender que a construção de um ambiente artístico se
dá através do respeito, da disciplina e da experiência em várias linguagens.
Foi a maior descoberta e aprendizado, tanto para mim, quanto para os educandos.
Criamos uma teia com várias experiências, onde as diversas linguagens tiveram
uma importância muito grande no fazer de cada um.
A experiência direta com a arte aconteceu juntamente com o
fazer artístico. Expressamos-nos de várias formas. Contudo, acredito que as
vivências apresentadas aos educandos, despertaram a curiosidade e a vontade de
criar continuamente. Cada encontro propiciou o fazer individual e coletivo. O
embate com o material resultou em diversos processos que não se esgotaram.
Parabéns!
ResponderExcluirParabéns!
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